O Brasil Precisa de Obstetrizes

terça-feira, 29 de março de 2011

As razões do COFEN

Mensagem recebida do REHUNA, por Ricardo Jones

Podem-se entender as razões do COFEN para tentar eliminar o curso de
obstetrizes da USP?

É possível tentar entender os conflitos que observamos nesta questão
sem sucumbir aos ape­los sedutores do maniqueísmo?

Eu acredito que sim, desde que entendamos o quê realmente representam
estas entidades.

O COFEN, assim como o CFM, são órgãos da corporação. Foram criados
para proteger as conquistas destas atividades na sociedade. Mais
ainda: são entidades sustentadas pelos com­ponentes desta corporação,
que os elegem para proteger seus direitos e privilégios.

Em outras palavras: o COFEN não é um instrumento da sociedade para
regular a enferma­gem, tanto quanto o CFM não foi criado pela
sociedade para regular e proteger a atividade médica. Estas entidades
são órgãos corporativos, que são criações das próprias corporações
para defender, respectivamente, a enfermagem e a medicina.

Falando da medicina, que é o que conheço por dentro, quando o CFM
condena um médico não o está fazendo para proteger os pacientes, e nem
para proteger a excelência e a qualidade dos atendimentos, mas para
proteger os MÉDICOS. Para o CFM um mau médico atrapalha a ima­gem que
a sociedade tem da medicina e diminui o valor social da corporação.
Não cabe ao CFM proteger a população, defender uma medicina baseada e
centrada em evidências, melho­rar as condições de saúde das pessoas ou
criar espaço para uma medicina mais humanizada. Isto NÃO É a função
precípua de um conselho (mesmo que esta seja a idéia vendida para
nós). Esta se limita a proteção da medicina, seus pres­supostos
éticos, e a defesa do médico. Isso explica, por exemplo, porque o CRM
nunca move uma palha para criticar o excesso de cesarianas.
Entretanto, médicos que trabalham estritamente dentro dos protocolos
da OMS correm perigo, porque agridem os privilé­gios duramente
conquistados pela categoria. Ele incomoda sua própria corporação,
portanto é herético, não importa que benefício ele possa oferecer aos
pacientes.

Vejam bem. Com isso não estou criticando a medicina e nem os conselhos
médicos, tanto os CRMs quanto o CFM. Apenas quero mostrar que o
trabalho destas instâncias é a prote­ção da medicina e não a proteção
dos pacientes. E acho que este trabalho precisa ser feito mesmo, pois
que sem ele os médicos ficariam desprotegidos diante de uma sociedade
sensaciona­lista e que busca resultados positivos sempre, anestesiada
que está por uma cultura que miti­fica a tecnologia e promete a
redenção através do acesso a ela.

Com o conselho de enfermagem, e de qualquer outra corporação, ocorre o mesmo.

O COFEN é o "cão de guarda" da enfermagem, e esta visão não é
diminutiva; pelo contrário, mostra a verdadeira vocação deste órgão,
que procura defender as conquistas e as prerrogati­vas da profissão.
Está sempre a postos para defender quando a enfermagem está sob
ame­aça. Quando um grupo de profissionais, como as obstetrizes, ameaça
os domínios das enfer­meiras, este mecanismo de defesa é
automaticamente acionado. É o mesmo efeito observado pelos CRMs em
relação às Casas de Parto. O domínio do parto é médico (mesmo que uma
enfermeira o realize, um médico será o responsável em última
instância), e quando um estabelecimento determina a autonomia das
enfermeiras na sua condução o sinal vermelho acende. PERIGO. Elementos
estranhos invadem o flanco esquerdo das torres do castelo.
Imediatamente é acionado o sis­tema de proteção.

Algumas enfermeiras vivenciam agora o MESMO fenômeno que eu passei
quando da luta pela manutenção das Casas de Parto: o constrangimento
de lutar por uma visão democrática, aberta e plural para a assistência
ao nascimento, ao mesmo tempo em que sua categoria de­saprovava a
mesma idéia, preconizando um fechamento exclusivista. É necessária uma
visão mais abrangente para se posicionar e para, enfim, lutar.

Ao mesmo tempo em que entendo a posição do COFEN (e também do CFM) eu
também percebo que as decisões sobre esta questão devem estar ACIMA
das posições parciais destas entida­des. É um gigantesco equívoco
confundir a vocação legítima destes conselhos em proteger as suas
corporações com a necessidade de proteger a SOCIEDADE. Este necessário
resguardo da sociedade cabe aos níveis mais altos da política; são
decisões que precisam levar em consideração a complexidade da
estrutura social, acima dos desejos e aspirações de grupos. Quando
percebemos esta dicotomia, faz-se necessário posicionar-se de forma
corajosa e determinada. Se a visão for centrada nas necessidades da
sua própria profissão, a escolha pela posição do conselho de
enfermagem é natural e coerente. Entretanto, se desejamos o
fortalecimento das idéias de humanização do nascimento, o esforço pela
manutenção de uma escola de parteria, desvincu­lada das escolas
tradicionalmente “medicalizadas” de assistência ao parto (a medicina e
a en­fermagem), é a escolha mais sensata e correta.

As obstetrizes incomodam, pela sua liberdade e autonomia, as escolas
tradicionais. Entretanto, eu creio que elas podem dar uma enorme
contribuição ao debate da assistência ao nascimento humano.

Elas podem virar esse jogo.

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